Exercícios sobre Carlos Drummond de Andrade
(UFOP-MG) Observe o texto abaixo:
Fazendeiro de cana
Minha terra tem palmeiras? Não.
Minha terra tem engenhocas de rapadura e cachaça
e açúcar marrom, tiquinho, para o gasto.
[...]
Tem cana caiana e cana crioula,
cana-pitu, cana rajada, cana-do-governo
e muitas outras canas de garapas,
e bagaço para os porcos em assembleia grunhidora
diante da moenda
movida gravemente pela junta de bois
de sólida tristeza e resignação.
As fazendas misturam dor e consolo
em caldo verde-garrafa
e sessenta mil-réis de imposto fazendeiro.
Carlos Drummond de Andrade.
Assinale a alternativa incorreta:
Carlos Drummond de Andrade, neste poema, valendo-se das linguagens desenvolvidas pelo Modernismo:
a) retoma a linguagem do poema romântico, de maneira simétrica e linear, apontando a ideologia nele subjacente.
b) retoma parodisticamente um importante poema do Romantismo brasileiro.
c) faz, em relação ao romântico, uma ruptura ao nível da consciência e ao nível da linguagem.
d) satiriza o sentimento ufanista, comum aos poetas românticos.
e) desmitifica a visão ingênua dos românticos, operando uma leitura crítica da realidade.
Constatamos, consoante as características impressas pela era modernista, que a alternativa que mais se adéqua ao que nos propõe o enunciado da questão é aquela demarcada pela letra “A”, haja vista que, uma vez modernista, o poeta em questão não retoma (e nem teria condições de retomar) a linguagem das criações artísticas cultuadas no Romantismo, tampouco a carga ideológica, ora demarcada por uma visão camuflada acerca da realidade. Isso seria impossível diante do que nos atesta as criações registradas pela era modernista.
(Famih – MG)
Cidadezinha qualquer
Casas entre bananeiras
mulheres entre laranjeiras
pomar amor cantar.
Um homem vai devagar.
Um cachorro vai devagar.
Um burro vai devagar.
Devagar... as janelas olham.
Eta vida besta, meu Deus.
Carlos Drummond de Andrade
Todas as características modernistas citadas abaixo podem ser identificadas no poema de Drummond, exceto:
a) Reaproveitamento do popular e do coloquial, uso de uma linguagem simples, fácil, próxima da expressão oral.
b) Concepção do poético como um texto aberto; um discurso que oferece multiplicidade de sentidos e interpretações.
c) Crítica ao mundo rural, ao universo primitivo, distante do progresso, da civilização mecânica e industrial.
d) Exploração do imprevisível, do inesperado; o corte brusco, a fragmentação de ideias possibilita o surgimento do humor.
e) Interesse pelo homem comum, ordem social e pela vida cotidiana.
Ao direcionarmos o olhar para a alternativa demarcada pela letra “C”, constatamos que as afirmações nela presentes vão de encontro ao que tanto pregaram as concepções cultuadas pelo Modernismo, uma vez que uma delas foi justamente a crítica à elite burguesa, aos valores sociais, especificamente dizendo. Dessa forma, como o próprio poema capta as impressões voltadas para uma vida simples, banalizada até, o discurso que nele se evidencia não pode, de forma alguma, ser concebido, revestido sob um tom crítico.
O Poema de sete faces revela uma das criações deste célebre representante de nossas letras – Carlos Drummond de Andrade. Assim, tendo-o como subsídio, procure, após uma leitura atenta, registrar algumas impressões acerca das características ideológicas e do estilo artístico que tanto demarcaram a trajetória desse alguém tão nobre, por excelência.
Poema de sete faces
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
As casas espiam os homens
que correm atrás de mulheres.
A tarde talvez fosse azul,
não houvesse tantos desejos.
O bonde passa cheio de pernas:
pernas brancas pretas amarelas.
Para que tanta perna, meu Deus, pergunta meu coração.
Porém meus olhos
não perguntam nada.
O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do -bigode,
Meu Deus, por que me abandonaste
se sabias que eu não era Deus
se sabias que eu era fraco.
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
Eu não devia te dizer
mas essa lua
mas esse conhaque
botam a gente comovido como o diabo.
Desde os primeiros diálogos traçados pelo poeta, sobretudo fazendo referência à palavra “torto”, identificamos uma das características inerentes à época a que pertenceu Carlos Drummond de Andrade. Época essa demarcada pelo período pós-guerra e que, sem sombra de dúvida, deixou inúmeros conflitos advindos da condição de estar no mundo. Dessa forma, não poderíamos presenciar outro alguém que não fosse aquele que se sente questionado, conturbado em meio aos conflitos exteriores, o que resulta vez ou outra nos muitos questionamentos interiores.
Assim, o que se vê é um eu-lírico revestido por inquietações diante de uma realidade, diante de um mundo que não o satisfaz. Dessa forma, tal sentimento muitas vezes se deixa transparecer de forma camuflada, sobretudo (como ocorre com o poema em questão) por meio de um certo tom de humor ora mesclado ao de ironia. Vê-se então que a voz poética se incorpora num ser que se sente deslocado, que se sente questionado e que, sobretudo, não aceita o mundo em que vive, pois o concebe totalmente o oposto daquele que realmente idealiza. Mesmo mudando de nome, a pessoa não mudaria, como em:
Mundo mundo vasto mundo,
se eu me chamasse Raimundo
seria uma rima, não seria uma solução.
Mundo mundo vasto mundo,
mais vasto é meu coração.
No meio do caminho– eis uma criação que, digamos assim, universaliza a poesia de Carlos Drummond de Andrade. Lendo-a e nos familiarizando com o discurso nela presente, podemos perfeitamente registrar algumas demarcações, algumas características, posicionamentos ideológicos que predominaram na época em que se fizeram vistos alguns representantes da chamada segunda fase modernista, em especial, na poesia. Nesse sentido, que tal retratá-los?
No meio do caminho
No meio do caminho tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
tinha uma pedra
no meio do caminho tinha uma pedra.
Nunca me esquecerei desse acontecimento
na vida de minhas retinas tão fatigadas.
Nunca me esquecerei que no meio do caminho
tinha uma pedra
tinha uma pedra no meio do caminho
no meio do caminho tinha uma pedra
Estando diante da criação em voga, um leitor, porventura desavisado, certamente se perderá em meio às afirmações pregadas pelo autor, sobretudo por meio da passagem – “No meio do caminho tinha uma pedra”. Contudo, ao apurarmos nossos conhecimentos acerca do que é a Literatura propriamente dita, passamos a compreender muito bem esse ir e voltar de Drummond, aparentemente (para não dizer nitidamente) perdido em meio a uma indagação, uma indagação que se demarca “graças” à condição de estar no mundo, condição que, mesmo historicamente passada, apresenta-se mais atual do que nunca. Dessa forma, inferimos que o poeta diante de tal criação não se desapega da arte, do fazer poético, mas que, no entanto, sente-se preso às amarras da condição de estar no mundo em face dos graves problemas que assolam a realidade circundante, sobretudo simbolizada pela palavra “pedra”: “Tinha uma pedra no meio do caminho”.