Exercícios sobre Manuel Bandeira
(UFMG) Leia o poema a seguir, da autoria de Manuel Bandeira:
Momento num café
Quando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
Um no entantose descobriu num gesto largo e demorado
Olhando o esquife longamente
Este sabia que a vida é uma agitação feroz e sem finalidade
Que a vida é traição
E saudava a matéria que passava
Liberta para sempre da alma extinta.
Assinale a alternativa que apresenta uma afirmação INCORRETA:
a) A atitude do homem atento ao enterro reduplica a opinião do eu-lírico sobre a relação vida/morte.
b) O poema expressa uma visão materialista e irônica do mundo ao inverter a relação tradicional entre a alma e o corpo.
c) Um dos componentes estruturantes da lírica de Bandeira, presente no poema, é a percepção linear dos elementos do mundo.
d) Um traço fundamental da lírica de Bandeira, presente no poema, é a abordagem de temas universais a partir de elementos do quotidiano.
Ao nos apropriarmos das características que delimitam as criações de Manuel Bandeira, constatamos que a alternativa que melhor se adéqua ao que propõe o enunciado se revela pela letra “D”. Desse modo, tem-se que, por meio do uso de versos livres, como constatamos na criação em pauta, o poeta extrai elementos de fatos banais do dia a dia e, por meio da essência discursiva, aborda acerca dos aspectos universais inerentes ao ser humano, tais como: angústia existencial, amor, solidão, infância, entre outros.
Não é de se estranhar que todos os estilos literários ora se complementam, ora se divergem, sendo que essa divergência se manifesta por algumas pontuações atribuídas aos representantes no sentido de criticar os posicionamentos ideológicos decorrentes de estéticas passadistas. Com base nesse pressuposto, leia com bastante atenção dois poemas, um de Manuel Bandeira e outro de Olavo Bilac, apontando suas considerações acerca de ambos:
Profissão de fé
[...]
Invejo o ourives quando escrevo:
Imito o amor
Com que ele, em ouro, o alto relevo
Faz de uma flor.
Imito-o. E, pois, nem de Carrara
A pedra firo:
O alvo cristal, a pedra rara,
O ônix prefiro.
Por isso, corre, por servir-me,
Sobre o papel
A pena, como em prata firme
Corre o cinzel.
Corre; desenha, enfeita a imagem,
A ideia veste:
Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem
Azul-celeste.
Torce, aprimora, alteia, lima
A frase; e, enfim,
No verso de ouro engasta a rima,
Como um rubim.
Quero que a estrofe cristalina,
Dobrada ao jeito
Do ourives, saia da oficina
Sem um defeito:
E que o lavor do verso, acaso,
Por tão subtil,
Possa o lavor lembrar de um vaso
De Becerril.
[...]
Olavo Bilac
Poética
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais
Todas as construções sobretudo as sintaxes de exceção
Todos os ritmos sobretudo os inumeráveis
Estou farto do lirismo namorador
Político
Raquítico
Sifilítico
[...]
Como afirmado no próprio enunciado, distintos foram os movimentos literários em que os representantes, por meio de suas correntes ideológicas, incumbiram-se de apresentar todo o seu desapreço por aspectos antes cultuados nas estéticas passadas. Assim, foi exatamente isso que ocorreu com Manuel Bandeira ao se apoderar de uma das correntes ideológicas do movimento modernista e pô-la em prática por meio do poema em questão, ou seja, ele critica severamente a sintaxe exagerada e o formalismo recorrentes na poesia parnasiana, sobretudo pelo fato de que ela retoma aos moldes clássicos. Desta feita, faz uso do verso livre, da opção por formas irregulares, bem como pela opção da ausência de pontuação, entre outros tantos posicionamentos. Assim, para constatarmos de forma ainda mais evidente, citamos os versos:
Estou farto do lirismo comedido
Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que para e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo.
(UFMG) Leia o poema a seguir, da autoria de Manuel Bandeira:
Trem de Ferro
Café com pão
Café com pão
Café com pão
Virge Maria que foi isso maquinista?
Agora sim
Café com pão
Agora sim
Voa, fumaça
Corre, cerca
Ai seu foguista
Bota fogo
Na fornalha
Que eu preciso
Muita força
Muita força
Muita força
(trem de ferro, trem de ferro)
Oô...
Foge, bicho
Foge, povo
Passa ponte
Passa poste
Passa pasto
Passa boi
Passa boiada
Passa galho
Da ingazeira
Debruçada
No riacho
Que vontade
De cantar!
Oô...
(café com pão é muito bom)
Quando me prendero
No canaviá
Cada pé de cana
Era um oficiá
Oô...
Menina bonita
Do vestido verde
Me dá tua boca
Pra matar minha sede
Oô...
Vou mimbora vou mimbora
Não gosto daqui
Nasci no sertão
Sou de Ouricuri
Oô...
[...]
Manuel Bandeira
Sobre o poema, ASSINALE a única alternativa INCORRETA:
a) a composição baseia-se em brincadeira popular, procedimento frequente na poesia de Manuel Bandeira.
b) O poema é construído a partir do ponto de vista de um observador que vê passar um trem de ferro.
c) O ritmo primordialmente binário do poema e a ocorrência de repetiçõesrecriam o funcionamento da locomotiva.
d) O uso intencional dos aspectos fônicos confere expressividade ao poema e reforça o sentido de seu título.
Temos como alternativa que melhor condiz com o que prega o enunciado em questão, aquela demarcada pela letra “A”, visto não condizer com as características que demarcaram a obra de Manuel Bandeira.
Familiarizando-nos com o poema a seguir, detectamos uma das características que mais demarcaram a poesia de Manuel Bandeira. Assim, analise-o, procurando tecer suas impressões acerca desse traço marcante:
Evocação do Recife
Recife
Não a Veneza americana
Não a Mauritsstad dos armadores das Índias Ocidentais
Não o Recife dos Mascates
Nem mesmo o Recife que aprendi a amar depois
- Recife das revoluções libertárias
Mas o Recife sem história nem literatura
Recife sem mais nada
Recife da minha infância
A rua da União onde eu brincava de chicote-queimado
e partia as vidraças da casa de dona Aninha Viegas
Totônio Rodrigues era muito velho e botava o pincenê
na ponta do nariz
Depois do jantar as famílias tomavam a calçada com cadeiras
mexericos namoros risadas
A gente brincava no meio da rua
Os meninos gritavam:
Coelho sai!
Não sai!
[...]
Ao voltarmos nosso olhar para o poema em questão, constatamos de forma evidente que o tema “infância”- bastante recorrente na poesia de Bandeira – faz-se presente. Tal aspecto se deve ao fato de que, para ele, tal temática se concebe como uma espécie de paraíso perdido em meio à vida que levara, sobretudo demarcada pela solidão e pela doença. Nesse sentido, relevante é afirmar que o poema se transcreve por meio de fatos extraídos também do passado, sendo esses retratados pelos flashes de memória, registrados sem quaisquer traços de cronologia.