Exercícios sobre a linguagem figurada
(Fuvest – SP)
A tua saudade corta
como aço de navaia...
O coração fica aflito
Bate uma, a outra faia...
E os óio se enche d’água
Que até a vista se atrapaia, ai, ai...
(Fragmento de “Cuitelinho”, canção folclórica)
a) Nos dois primeiros versos há uma comparação. Reconstrua esses versos numa frase iniciada por “Assim como [...]”, preservando os elementos comparados e o sentido da comparação.
b) Se a forma do verbo “atrapalhar” estivesse flexionada de acordo com a norma-padrão, haveria prejuízo para o efeito de sonoridade explorado no final do último verso? Por quê?
a) Assim como aço de navalha a tua saudade corta.
b) Atendo-nos ao propósito de responder a tal questionamento, faz-se necessário enfatizarmos acerca do fato em que alguns desvios linguísticos, ora cometidos de forma intencional, sobretudo em se tratando da licença poética, são perfeitamente permitidos, haja vista que se trata de recursos estilísticos proferidos pelo próprio emissor, cuja intenção é atingir os propósitos a que se presta mediante a interlocução. Como se vê, portanto, toda a letra musical explora bem essa questão, ao retratar uma linguagem demarcada pelas variações sociais de uma forma geral.
Dessa forma, podemos afirmar que se nela toda houvesse o emprego da linguagem padrão, talvez o intuito desejado não tivesse sido efetivado de forma significativa. Nesse sentido, temos que se o verbo em questão estivesse expresso de acordo com o padrão formal da linguagem (atrapalha), a sonoridade conquistada pelo uso de tais recursos estaria de todo comprometida, dadas as intenções implícitas no discurso.
Tendo em vista que o emissor, ao fazer uso das figuras de linguagens, pretende realçar ainda mais a mensagem que profere, enfatizar de forma ainda mais preponderante o discurso do qual se utiliza, observe os versos de Manuel Bandeira e procure responder ao que se pede:
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
[...]
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite. [...]
(Manuel Bandeira. Estrela da vida inteira. Rio de Janeiro, José Olympio, 1986, pág. 191.)
a) Acerca do terceiro verso, podemos dizer que nele há uma figura de linguagem? Qual?
b) Partindo dos pressupostos expressos no enunciado da questão, procure justificar a presença dessa figura.
a) Sim, nele se atesta a figura de linguagem expressa pelo pleonasmo, visto se tratar de uma ideia repetida, uma vez antes mencionada.
b) Tal emprego se justifica pela intenção proposta pelo emissor, que é justamente a de conferir maior expressividade à mensagem que profere, intensificando, pois, a expressividade do verbo chover.
(Enem) Leia este poema:
Cidade grande
Que beleza, Montes Claros.
Como cresceu Montes Claros.
Quanta indústria em Montes Claros.
Montes Claros cresceu tanto,
ficou urbe tão notória,
prima-rica do Rio de Janeiro,
que já tem cinco favelas
por enquanto, e mais promete.
Carlos Drummond de Andrade
Entre os recursos expressivos empregados no texto, destaca-se a:
a) Metalinguagem, que consiste em fazer a linguagem referir-se à própria linguagem.
b) Intertextualidade, na qual o texto retoma e reelabora outros textos.
c) Ironia, que consiste em dizer o contrário do que se pensa, com intenção crítica.
d) Denotação, caracterizada pelo uso das palavras em seu sentido próprio e objetivo.
Prosopopeia, que consiste em personificar coisas inanimadas, atribuindo-lhes vida.
A alternativa que se adéqua aos requisitos expressos no enunciado se demarca pela letra “C”, haja vista que por meio dos versos primeiros, o autor atribui à cidade de Montes Claros algo de positivo, enfatizando acerca do desenvolvimento, enfim. Contudo, já nos últimos versos, notamos uma atitude irônica, ainda que não explícita de forma significativa, sobretudo quando ele ressalta sobre as favelas, as quais já existem em certo número e que, acima de tudo, tendem a aumentar com o passar do tempo.
Além de explorar o sentido conotativo da linguagem, como é o que ocorre com as figuras de lingugem cujo sentido é o de conferir um caráter enfático à mensagem, um texto também reporta a outro, estabelecendo entre si uma relação dialógica. Assim, partindo dessa premissa, eis o texto a seguir, o qual propõe que você o leia, analise, reflita e teça um comentário acerca de ambos os aspectos anteriormente mencionados:
E se...
[...]
E se você estivesse no mar azul do Caribe com a pessoa que mais ama?
E se agora fosse meio-dia?
E se você tivesse anorexia?
E se estivéssemos em 1945?
E se tocasse "Wave" com João Gilberto?
E se pudesse voar por 30 minutos?
E se o seu telefone tocasse agora?
E se ouvisse a voz do Bono Vox do U2 sussurando I love you?
E se você estivesse agora numa cama de hospital público sentindo dor?
E se não pudesse ler?
[...]
(GABRILI, Mara. TPM. N. 15. Ano 2. Out. 2002)
Em se tratando dos recursos estilísticos utilizados pela autora, detectamos que esses se materializam pela anáfora, justificada pela repetição de um vocábulo ou até mesmo de uma expressão, cujo intento é, além de intensificar o significado daquilo que se pretende dizer, conferir mais ritmo, mais musicalidade ao texto propriamente dito.
Com relação ao diálogo que se estabelece com um texto já existente, atestamos se tratar da intertextualidade que se faz com o poema de Carlos Drummond de Andrade, intitulado “José”, cujos fragmentos abaixo se situam:
Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...